quarta-feira, janeiro 01, 2020

Faz as malas,
Roda o globo,
E na incerteza do sítio que queiras conhecer,
Parte e vai com o vento.

1 de janeiro de 2020




Como é hábito, pelo 1 de janeiro, as pessoas têm uma mão, ou até duas, cheias de desejos para o ano que se advinha. 
Faz-se um rascunho, bem ou mal elaborado, reflexivo ou, simplesmente, momentâneo, com um conjunto de nomes comuns que ambicionam como desejos para mais uma caminhada no calendário de 12 meses. 
Há quem priorize viagens, fins de vícios, melhoramentos de hábitos de alimentação, de equilíbrio emocionais, um rol de coisas que se esquecem no segundo, quando não no primeiro, dia do ano. 
Seria completamente hipócrita se eu não me adicionasse nesse grupo. Há tanto por descobrir, há tanto por se fazer, há tanto para subir essas escadas. Mas também há patamares que devemos parar, contemplar, agradecer e olhar para trás e, com os olhos postos num passado, seja ele muito longínquo, ou não, perceber o quanto nos custou conquistar alguns degraus.
A minha mãe, quando se recorda de me parir, diz que lhe partiram uma costela, para que eu saísse para este mundo, mundo esse que amo e vivo intensamente. Costumo dizer, num tom de brincadeira, como se recordasse, que ao sair, cravei as minhas unhas nas suas entranhas e gritei que a culpa era dela de eu vir ao mundo. Curiosamente, quando me limparam, diz ela que, ao me trazerem para o seu colo, disse que eu era sujo e que me tirasse dali. Nós somos assim, dramáticos, dentro do nosso género de amar. Intensos, imortalizando o momento e deixando estórias que hão de perdurar a cabeça de quem as ouve. 
A caminhada nestes 40 anos tem sido muito positiva, mas nem sempre fácil: passagem por três países, e respetivos continentes, na procura de uma vida, sonho, ambições pessoais e profissionais melhores. O percurso foi tendo pedras, como as que Pessoa deixou num poema. O castelo foi se transformando em estrada, daquelas romanas, que nos definem e que qualquer viajante que nos queira conhecer, compreende porque somos da forma como somos, porque amamos o que amamos, porque temos gargalhadas rasgadas e sonoros ou gritos de raiva, que são somente pedidos de ajuda. 
Neste momento estou num patamar a olhar para os sítios por onde passei, a recordar as pessoas que conheci, os seus defeitos e virtudes, que me fizeram afastar-me ou querê-las ao pé de mim. 
Nesta última década e alguns anos tornei-me professor, por opção e alguma devoção, sem um único dia dizer que fizera uma escolha infeliz. Obviamente que tenho dias menos bons, com confrontos de ideologias que chocam com a estupidez adolescente ou a inconsciência parental, que fazem parte para me moldar, de me ensinar mais sobre o ser-humano, ou como ser melhor educador. 
Na última década também me apaixonei. E continuo apaixonado como no primeiro dia, naquele 4 de setembro. Há barreiras, há intransigências da minha parte, alguma aceitação, poucas resignações, mas, sobretudo, agradecimento por a pessoa ser a pessoa que é: devota, tolerante, de uns olhos redondos e azuis de céu que me transmitem felicidade, calma, mas também alguma raiva pela forma aparentemente despreocupada que tem. Neste patamar também sorrio por estes anos de camaradagem, conforto nos abraços e pela nossa viagem. 
Infelizmente nestes últimos anos tenho passado, também, por momentos menos bons. De algum desgosto com a vida, por me ter tirado algumas pessoas, mais de outras do que minhas, vendo que, de facto, ela é um fio muito fino e perene. Agravando a perda dessas pessoas, muito ou pouco fizeram parte da minha construção enquanto indivíduo, tenho a minha irmã, a de sangue, que passa por uma tempestade. Houve noites em que não dormi, pensando no caminho incerto, pensando na dor da minha mãe, pensando na dor da minha irmã enquanto mãe. 
Não somos eternos, nem os momentos o são, mas podemos fazer com que eles se façam sentir mais e melhor, de forma a perdurarem no tempo como memórias. Para isso é preciso dar o nosso melhor, valorizando alguns acontecimentos, desvalorizando outros, deixando por escrito alguns. 
E amigos? Ah, os familiares que escolhemos. Que se sentam nos nossos sofás, que partilham felicidades e ansiedades. Que nos ajudam na caminhada. Que partilham garrafas, cigarros, gargalhadas, histórias e estórias. Alguns também têm passado por tormentas. Daquelas que Camões fala no Fogo de Santelmo ou na Tromba Marítma. Eu prefiro acreditar nas palavras de Pessoa como forma de as confortar: Deus ao mar ao o perigo e o abismo deu / Mas nele é que espelhou o céu. Vai ser fácil? Não sabemos. Mas podemos ter a certeza de que, se tirarmos partido das coisas boas do momento, já é meio caminho para a nossa felicidade. 

E como o mar foi e sempre será uma referência para coisas boas e más nesta vida, fui hoje à nossa praia, ver o Atlântico, naquele sítio que vamos a todas as estações, que leio, que trabalho, que apanho sol, que me atrevo ao mar, que faço caminhadas, que tiro fotografias, para entrar neste ano, como nos anteriores, da mesma forma. Percorremos o areal e as rochas, senti a maresia no rosto, o corpo frio e depois quente, marquei o areal com os meus ténis e trouxe-o para os tapetes do meu carro. 

Agradeci a Deus, à minha maneira.
 Voltei para casa, 
Acendi a lareira, 
Adormeci, 
Enervei-me, 
Jantei, 
Troquei mensagens,
Vi imensas fotografias do presente e do passado. 

Olho agora para a gata, defronte para as labaredas, a ajeitar-se no pufe,
E não tarda vou ver um filme, enquanto oiço, vindo do quarto, sons sinistros de uma série sobre bruxas. 
Há anos que escrevo, mas não tem sido quotidiano. Vamos lá ver se nestes novos anos 20 passa a ser. 
Um feliz ano novo,
Boa caminhada,
De mãos dadas, sempre.

 Sobre a mão Se pegasses na minha mão e me guiasses pelo Parnaso, Os meus dias seriam menos sedentos e sombrios, Sem os espasmos de sofr...