terça-feira, abril 22, 2014

Quando cheguei na ilha, no passado sábado, senti a mesma sensação de quando chego a Portugal. Estava feliz, olhava para os sítios com algum apego e tudo me fazia pensar que estes três meses que me faltam para o fim do ano letivo seriam leves e fáceis. Contudo, nada passava de algo momentâneo, pois em menos de 48 horas, o meu desejo de sair daqui era mais rápido do que a velocidade da luz.
A luz é algo importante na nossa vida. Com ela vemos efetivamente o mundo que nos rodeia e conseguimos compreender o que na escuridão nos pode assustar. 
Não é fácil estar num local onde sabemos que se relacionar com pessoas do nosso país é algo difícil. Onde as relações não são por interesses de gostos, não é pela cumplicidade, ou até mesmo pela partilha da dor de estar longe. Senti-o desde cedo e para me refugiar, centro-me no trabalho. Em pouco tempo criei um laço, com uma pessoa que partilha da mesma dor e de alguns medos, alguns iguais, outros completamente diferentes. Com ela, passei momentos de felicidade, de nostalgia, de descoberta e algumas largas horas de sofrimento. Vi-a enfraquecer-se. Vi-a doente e com um misto de medo e de amor, estive ao seu lado, fazendo festas à beira da cama, para se sentir confortável e amada. 
De há dois dias, tenho sentido imenso a sua falta. Faz-me confusão não vê-la na sala de professores, de trocar mensagens marcando encontros. Faz-me confusão não entrar em casa dela, lavar as mãos e depois abraçá-la. Principalmente hoje, hoje que precisava tanto de por a cabeça no seu colo e ficar uma hora de olhos fechados.
As aulas começaram hoje. Revi os meus alunos, alguns colegas, os funcionários. Sorrisos rasgados por parte dos negros, que diziam "olá professor" e me faziam perguntas sobre as minhas férias, sobre os meus familiares. 
Ao almoço, vim para baixo, mas tudo se desmoronou no primeiro mergulho. Nos meus intervalos gosto de dar mergulhos na piscina do hotel perto de minha casa. Sabe bem boiar, ir ao fundo, sentar-me na espreguiçadeira e fechar os olhos. Vou lá muitas vezes, pois o serviço é bom e a internet é de graça. Muitas vezes vou lá pela internet. Para falar com meia dúzia de pessoas que me fazem falta. Desço o monte na esperança de as apanhar on-line, de receber notícias, e ouvir a voz delas. Hoje a voz não me foi agradável. Sinto-me impotente e chateado quando as coisas fogem do meu controle e quando pensamos que as relações que temos não devem ter regras. Sinto-me magoado de fazer um pedido que não é cumprido. Sinto-me desiludido quando me encobrem as coisas e descubro por outrem. Perco pedaços de mim e mando-me para a água, mantendo-me no fundo da piscina e saltando um berro de catarse. 
E no meio disto tudo, quem me amparou foi ela. Numa chamada. E só me apetecia ir embora e deixar para trás tudo aquilo que vim colher: tempo de serviço para estar mais confortável na cidade e ao lado da pessoa que partilho a vida. 
As relações não são de todo fáceis. Sei que temos de ceder, de compreender, de aceitar algumas coisas, mas, por outro lado, sinto que não posso perder a minha essência e o meu ideal relacional. Não devendo corroborar com as coisas que não partilho. E apetece-me deixar tudo para trás. 
Mas, se eu transformar e mudar a minha escolha, conseguirei dar volta à minha ansiedade e ao meu estado de espírito? Será mais fácil pensar que o universo tem uma força superior sobre as coisas e afinal não vim em busca de uma vida melhor e do bem-estar na minha relação no futuro? Que deveria pensar somente na minha vida profissional e por de parte o desejo de ser feliz numa relação?
Tenho tantas dúvidas e tento não penar nelas com medo de uma resposta oposta ao meu propósito inicial. 
Ao regressar para a escola, abstraí-me de tudo e no fim da aula, como de costume, li uma crónica minha. Falava sobre a minha mãe. Tive de parar, pois lembrei-me de uma das chamadas telefónicas e do meu soluçar pedindo-lhe ajuda. Continuei com um traço de frieza de mármore e no fim pedi ao alunos que me explicassem o que eu dizia no texto. 
Concluíram que o meu desejo é ser extraordinário como ela. Uma miúda tinha os olhos em lágrimas e naquele preciso momento obtive uma das respostas: vieste porque tens o coração de professor e não porque tens uma relação para o futuro. 
Mas, não poderei ter as duas coisas? Terei de ser só eu a sacrificar-me? Só poderei ter uma delas?
E vim para casa no escuro. Faltou a luz no cimo do monte e eu deambulei pela berma com mais tantas dúvidas. E continuo assustado, pois dentro de mim há uma enorme escuridão que me provoca medo. 
(tiremmedaqui)

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 Sobre a mão Se pegasses na minha mão e me guiasses pelo Parnaso, Os meus dias seriam menos sedentos e sombrios, Sem os espasmos de sofr...