Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello
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Decidi postar um poema de Sofia por influência indirecta da Ciranda. O gosto pela senhora de mãos grandes e refinadas começou no meu secundário, quando a minha querida Manuela Pacheco nos preparava para os examens nacionas. As aulas não eram chatas e tudo fluia. Eu ouvia os poemas, inicialmente lidos por ela e depois lia-os mentalmente. Guardo na memória toda a sonoridade da boca da Pacheco. Curiosamente calhou-nos no exame Sophia, um poema estudado ( como me recordo dos olhos da Pacheco ao entrar na sala para ler o enunciado e, de forma cúmplice, através do olhar, fazernos um sinal do poema ter sido estudado na aula).
Curiosamente, a Pacheco nunca depositou muita confiança na minha ida para a Faculdade de letras. Ela apostava mais no Turismo, mas eu romântico e apaixonado pelo Latim e por alguns poetas nacionais, meti a cara num curso de clássicas.
O poema acima é um hino às pessoas verdadeiras... às pessoas que luto constantemente para as ter do meu lado. Os amigos são uma dádiva, mas também uma escolha e a senhora das mãos grandes e refinadas soube definir perfeitamente os critérios para a selecção.
Boa sexta.